Saúde e Trabalho

Riscos Psicossociais e Teletrabalho

 Riscos Psicossociais e Teletrabalho

Com o surgimento da pandemia mundial pelo novo coronavírus, o teletrabalho passou a representar uma realidade para grande parte da população, no sentido de minimizar o contacto interpessoal e possíveis contágios. Mas quais serão as consequências a curto e a longo prazo deste método de trabalho para os trabalhadores? Que cuidados preventivos adicionais são necessários nesta nova realidade?

A importância do trabalho na vida do indivíduo

O trabalho é um fenómeno psicossocial e constitui uma componente central da vida de cada indivíduo, contribuindo para definir a sua identidade. O trabalho é a origem de motivações diárias, objeto de satisfação e realização pessoal e é uma forma de criar relações interpessoais, novas ambições, progressões na carreira e novas experiências. A vida profissional e a vida pessoal estão interligadas pelo que qualquer alteração numa componente irá produzir efeitos na outra.

Riscos psicossociais do teletrabalho

O teletrabalho tem algumas vantagens: permite a redução do tráfego automóvel (diminuição do tempo no trânsito, minimização de custos, redução da poluição ambiental, menor desgaste automóvel), aumenta a autonomia do trabalhador, facilita a gestão entre a vida pessoal e profissional e permite a flexibilização de horários e tarefas.

Contudo, o teletrabalho trouxe também várias desvantagens a nível psicossocial que constituem riscos para os indivíduos, entidades empregadoras e sociedade:

Perda das relações interpessoais presenciais: os contactos passaram a estabelecer-se de forma digital (novas tecnologias), o que torna a comunicação mais empobrecida, com perda do entendimento e da empatia, das oportunidades de conversa espontâneas nas pausas do trabalho.

Rede de contactos mais restrita: existe uma redução da interação, muito importante nas organizações para a coesão das equipas. Isto conduz ao isolamento social de muitos trabalhadores que quando prolongado tem efeitos na saúde física e mental do trabalhador e contribui para um declínio cognitivo mais acelerado, aumento da negatividade e sintomatologia depressiva, aumento da ansiedade e do medo.

Disponibilidade total: em teletrabalho o trabalhador está permanentemente disponível, perdendo-se o conceito de “hora de saída” e de pausa semanal, o que resultou num maior número de queixas de burnout durante a pandemia.

Alguns dos fatores que contribuem para o burnout associado a este método de trabalho prendem-se com o período de confinamento, com algumas dificuldades de adaptação, falta de espaço, dificuldades económicas em alguns agregados familiares e o medo e as incertezas relativamente ao futuro.

Descanso insuficiente: em teletrabalho os emails e solicitações surgem a qualquer altura do dia. A falta de rotinas estabelecidas, associada ao sedentarismo promovido pelo trabalho em casa, são também promotores de sintomatologia depressiva e ansiosa. A quantidade de novas tarefas a executar em plataformas digitais muitas vezes previamente desconhecidas trouxe dificuldades adicionais de adaptação.

Despesas adicionais:  associado ao maior tempo de permanência em casa, o trabalhador tem de suportar também novos encargos financeiros como o aumento dos gastos com eletricidade, água, internet, consumíveis, entre outros.

Características individuais: os recursos pessoais para lidar com situações de stress também definem a vulnerabilidade do trabalhador aos riscos. Perante um aumento das exigências laborais, sentimentos de auto-eficácia, auto-confiança, otimismo, resiliência e esperança são determinantes na resposta ao stress.

Perda de Intimidade: o teletrabalho permite a entrada do poder patronal na casa do trabalhador, na sua intimidade. Os conflitos e problemas que o trabalhador antes vivia em espaço laboral passa a ser vivido em casa, à vista dos seus familiares e passam a tomar conta das conversas diárias, influenciando o ambiente familiar negativamente.

Quais as consequências para o trabalhador?

Todos estes riscos podem resultar em danos a curto prazo nos trabalhadores que podem afetar as várias dimensões da sua vida:

  • A nível profissional: poderá levar a alterações da memória, dificuldades de concentração, dificuldades na tomada de decisões e aumento de erros no processamento da informação.
  • A nível físico, o trabalhador pode experienciar uma baixa de imunidade, aumento da tensão muscular e da pressão arterial, alterações do sono, cansaço fácil, perda ou aumento excessivo do apetite, entre outros. A longo prazo, podem ainda surgir várias patologias relacionadas com o stress, tais como patologia cardíaca.
  • A nível psicológico: pode traduzir-se em irritabilidade, diminuição do desejo sexual, mau humor, persistência de pensamentos irracionais e negativos, tristeza, melancolia, angústia e isolamento.

O médico, no contacto com o trabalhador, tem um papel preponderante no estabelecimento de medidas preventivas, identificando situações de maior risco e desenvolvendo e promovendo intervenções eficazes.

Assim, para além das medidas comportamentais que podem evitar o agravamento, cabe ao profissional de saúde identificar os casos que carecem de farmacoterapia ou outros tratamentos dirigidos à psicopatologia em questão.

Quais as consequências para as organizações?

Os danos psicossociais causados pelo teletrabalho podem traduzir-se em consequências organizacionais com custos diretos e indirectos para a entidade empregadora:

  • Os custos diretos podem estar associados ao desempenho no trabalho e resultam essencialmente da diminuição da produtividade dos trabalhadores, da diminuição da participação laboral (com atrasos, dias de absentismo) e do recurso mais frequente aos cuidados de saúde.
  • Os custos indiretos estão relacionados com as eventuais falhas de comunicação entre elementos da equipa, a alguns erros técnicos ou na tomada de decisões, a conflitos laborais e de oportunidades de negócio perdidas. A insatisfação e baixa motivação dos trabalhadores é outro dos fatores que pode torná-los menos ambiciosos e condicionar o seu investimento nos projectos laborais, o que afeta toda a organização. O risco de acidentes de trabalho e custos associados à saúde também é superior.

 

 

Estratégias para mitigação dos fatores psicossociais em teletrabalho

Após identificação dos riscos existem múltiplas estratégias passíveis de serem implementadas no sentido de prevenir os danos nos trabalhadores:

  • Desenvolver estratégias pessoais de gestão de stress
  • Manter as rotinas (ex: vestir-se como se fosse para o trabalho)
  • Substituir a deslocação para o trabalho por um passeio no parque ou na área de residência
  • cumprimento dos horários (implementação de medidas correctivas perante a entidade empregadora no sentido de evitar solicitações ou tarefas fora do horário laboral).
  • Realizar o teletrabalho num espaço físico designado para o efeito, (separação entre trabalho e lazer).
  • Respeitar as pausas, preferencialmente pausas ativas, com pequenos períodos de alongamentos ou outros exercícios.
  • Após a atividade laboral estabelecer horários para a família ou outras atividades (deportos/ hobbies).
  • Cumprir os horários de sono (o trabalhador deve tentar dormir entre 7 a 9 horas diárias para que o descanso seja completo) e não trabalhar nas últimas 2 a 3 horas antes de dormir (aumenta o nível de stress pela gestão de questões laborais que podem prejudicar a indução do sono, como a exposição a écrans antes de adormecer diminui a produção de melatonina e perturba os ritmos circadianos.
  • prática de exercício físico – para além de contrariar os efeitos do sedentarismo associados ao teletrabalho, promove a libertação de serotonina e endorfinas, associadas ao bem-estar, que ajudam a combater a depressão e a ansiedade.
  • Promover uma alimentação saudável – numa dinâmica de teletrabalho é fácil não respeitar horários de refeições por não existirem horários fixos como até então na dinâmica das organizações. É importante procurar respeitar esses horários e optar por escolhas saudáveis.
  • Estabelecer metas e desafios não relacionados com o trabalho
  • Desencorajar hábitos nocivos – O médico deverá estar atento e desencorajar hábitos nocivos, muitas vezes utilizados em situações desencadeadoras de stress, como é o caso do consumo de álcool e de tabaco.

Conclusão

O teletrabalho parece ter vindo para ficar em muitas empresas, pelo menos a tempo parcial, pela flexibilidade e vantagens que oferece. No entanto, traz consigo inúmeros riscos que não devem ser descurados com consequências para o trabalhador, organizações e sociedade.

Há que saber identificar os riscos psicossociais que surgem desta nova forma de trabalhar e garantir a implementação de medidas preventivas,  intervindo de forma precoce.

É necessário não esquecer que cada trabalhador lida com os novos desafios laborais de forma diferente e portanto é necessário avaliar de que forma os desafios desta nova realidade afetam cada pessoa e desenhar soluções personalizadas e adequadas às suas necessidades.

Não podemos esquecer que a saúde do trabalhador não se limita à sua saúde física mas, e agora mais do que nunca, também à sua saúde mental.